Lenine, o protótipo do ditador do século XX, tinha autores e compositores favoritos mas era um materialista demasiado rigoroso para se preocupar muito com a arte. Tinha pouca paciência para a avant-garde e uma vez irritou-se quando futuristas pintaram as árvores dos jardins Aleksandrovsky com as cores do Primeiro de Maio. Considerava a música um placebo burguês que escondia os sofrimentos da humanidade. Em conversa com Maxim Gorky, elogiou o poder de Beethoven, mas acrescentou: «Não posso ouvir música com muita frequência. Afecta os nervos, faz sentir vontade de dizer coisas estupidamente simpáticas e de afagar a cabeça das pessoas que conseguiram criar tamanha beleza, mesmo vivendo neste inferno.»
Alex Ross, The Rest is Noise: Listening to the Twentieth Century.
Edição Picador. Tradução minha.
Procurar resposta à velha questão de saber se a arte reflecte a vida ou a vida imita a arte é pouco menos que inútil. No fundo, talvez seja apenas necessário aceitar dois pontos de contacto entre vida e arte:
- Ambas têm o significado que se quiser atribuir-lhes.
- Em ambas é frequentemente preferível não o procurar.
O «Espaço Arte» (lindo, lindo) em questão é privado. Está aberto enquanto o proprietário entender e apresenta o que o proprietário entender. Vir falar de censura é ridículo. É tão censura como eu mudar de canal sempre que a Júlia Pinheiro surge no ecrã e abre a boca, preparando-se para falar. Ninguém é obrigado a gostar de desenhos de pénis. Mas na sociedade em que vivemos as empresas têm de ter cuidado e, se decidem fingir que apoiam as artes (já agora, não será discriminação escolherem uma arte em detrimento de outras?), deviam ter o bom senso de definir critérios à partida (tipo não queremos cartazes na parede exterior do edifício com desenhos de pénis; e, já agora, nem no interior) e estar preparadas para negociar quando as coisas descambam (tipo nós não queremos cancelar a exposição e não vamos cancelar a exposição que, aliás, adoramos, mas vamos ter de chegar a um compromisso e pelo menos mudar o cartaz, ok?*). Claro que para isto seria necessário que as empresas portuguesas tivessem pessoas competentes nos lugares onde habitualmente estão yes boys e yes girls (nota quiçá a despropósito: por que é que eu nunca me deparo com yes girls?) entusiastas de «conceitos» e «estratégias» e «posicionamentos» (não confundir com «posições») e «modernidade» e «vanguarda» e «visão» mas, na realidade, não valendo um dos poucos pêlos púbicos que a tendência desenfreada para a depilação ainda permite que sobrevivam.
Ou então as empresas devem perceber que não vale a pena. Que os riscos são hoje demasiado elevados. Que, assim como assim, ninguém liga peva ao mecenato cultural a menos que inclua um piquenique com concerto do Tony Carreira, mas que um só escândalo pode ter efeitos bastante negativos para a imagem da empresa. E que o que há mais por aí são «artistas» preparados para transformar em escândalo o mais pequeno desaguisado, em especial, claro, se fizerem parte de uma «minoria». Afinal, o escândalo é excelente para o negócio. Para o negócio deles, bem entendido.
* E mudado o cartaz tudo ficaria bem porque, convenhamos, quantas pessoas é que entram no «Espaço Arte» em questão para ver o que quer que seja?
Homem fotografa o próprio blusão no interior do Centro Nacional de Fotografia (ex-Cadeia da Relação), Porto. Foto tirada em Fevereiro.
Tenho evitado abordar o tema do futebol neste blogue. É possível que isso já sugira que sou sportinguista. Os adeptos do Sporting são muito diferentes dos adeptos do Benfica e do Porto, e não apenas por entre eles se encontrar um número extremamente elevado de banqueiros, como o Gato Fedorento notou há tempos. (Atendendo à reputação actual de tal gente, os restantes sportinguistas prefeririam car-jackers ou mesmo políticos de carreira, mas é só mais um entre tantos pontos a encarar com resignação.) O que torna um sportinguista num verdadeiro sportinguista é a atitude entre a confiança impetuosa e a dúvida persistente, entre a vontade de voar e a quase-certeza de que, se der o famoso passo em frente à beira do precipício, cairá a pique. É, se quiserem e para facilitar, uma abordagem intelectual e artística da vida e do jogo de futebol. Ouço já vozes em protesto avançando nomes de intelectuais confessadamente adeptos do Benfica ou do Porto, mas peço que não invadam por enquanto a caixa de comentários com bombas, petardos e very-lights; creio que, mesmo não sendo sportinguistas, irão conseguir perceber a diferença. (E admito também que uns quantos sportinguistas não o conseguirão; há sempre gente enganada na porta.)
Uma voltinha pelo Museu do Louvre permite rapidamente constatar três coisas: a Vénus de Milo, que tem cara de rapaz, parece cansada e só não afasta as pessoas que se acumulam à sua frente por falta de braços; a instalação/performance na sala da Mona Lisa, em que uma multidão tira fotos ao (e em frente ao) enigmático (e cansado e resignado) sorriso, fazendo questão de ignorar ostensivamente todos os restantes quadros na sala (um apontamento de arte contemporânea pelo qual Serralves trocaria de bom grado todas as obras envolvendo garrafas ou pedaços de madeira que já teve em exibição), funciona bem; as estátuas clássicas gregas têm pénis pequenos. Os dois primeiros pontos são específicos do Louvre, o terceiro não, e, por incrível que possa parecer, muita gente já reparou nele. Procurei explicações na net. Como seria de esperar, encontrei para todos os gostos. Há quem diga que era para não chocar o espectador; há quem assegure que era para os homens não se sentirem como hoje em dia alguns se sentem ao verem as monumentais obras de arte exibidas em certos canais codificados de televisão; há quem avente a possibilidade dos modelos estarem com frio enquanto posavam, uma vez que não existiam sistemas eficazes de aquecimento; há quem sugira que, sendo os gregos à época um bocado gays, pénis pequenos eram menos assustadores para neófitos (parece-me bem que é não conhecer os gays...). A explicação que me pareceu mais fundamentada defende que os gregos tinham um ideal de beleza masculina em que pénis demasiado grandes (tal como pénis circuncidados) não se enquadravam. Gostavam de corpos atléticos, com torsos e pernas musculados, não perturbados por excrescências volumosas. Não tinham qualquer problema em relação à nudez e o facto de aceitarem ser reproduzidos com pequenas partes pendentes pode até ser visto como um sinal de maturidade intelectual: no fim de contas, a Grécia ou, mais precisamente, a Atenas Clássica é a primeira sociedade onde a cultura não só é apreciada como estimulada. Tanto que, depois de espreitar os tais canais codificados ou de ver algumas páginas de publicidade a boxers, sou forçado a pensar que regredimos. A tendência actual, na representação ou sugestão do órgão sexual masculino como noutras áreas, é para privilegiar o tamanho, ainda que em detrimento da qualidade: já me queixei antes da popularidade das gigantescas mamas de silicone mas também estão na moda estaturas elevadas, olhos gigantes e lábios grossos. Mas há mais: as mulheres preferem homens com mãos grandes e, desde a eleição de Obama, até orelhas-de-abano parecem estar in (circulam rumores de que José Rodrigues dos Santos não tem já qualquer dúvida de que é um símbolo sexual). Mesmo os automóveis (a tradicional extensão do pénis) têm vindo a ficar maiores: comparem um Clio da primeira geração com um actual ou, mais flagrante ainda, um Mini clássico com um dos que a BMW agora produz. Regredimos também noutra área: enquanto a nudez era vista de modo natural na Grécia de há dois mil e quinhentos anos, é encarada com reservas por muita gente hoje em dia, um pouco por todo o mundo. Independentemente do tamanho dos pénis.
Desconheço o que pensam os gregos actuais da representação do pénis nas suas estátuas. Não sei se sentem algum embaraço e se têm constantemente que provar que os seus antepassados exageravam. Seja como for, de nós, portugueses, os gregos não devem temer bocas foleiras. Depois da selecção grega nos ter derrotado duas vezes no europeu de futebol de 2004, a última das quais na final, nós sabemos que eles podem não ter pénis grandes mas: a) têm certamente tomates; e b) a expressão "o tamanho não interessa" deve estar certa porque nos doeu a valer.
(Fotos tiradas no Louvre e no Jardim das Tulherias em Maio de 2009.)
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