Devia fazer-se um estudo sobre a produtividade em Agosto. É que ficar todos os anos a trabalhar durante este mês causa-me sempre a mesma sensação: a de que o pessoal que se encontra de férias não faz cá falta nenhuma.
E desconfio que eles o sabem.
Última semana de Agosto. A cidade já não parece abandonada. Antes no momento de calma que precede a tempestade. Um palco aguardando o início do espectáculo. O equipamento está pronto, meia dúzia de técnicos e figurantes afadigam-se em ensaios de última hora. Alguns não conseguem evitar sentir pena de que o período em que tiveram o palco inteiramente à disposição esteja a terminar e até algum ressentimento por saberem que, a partir de Segunda-Feira, muitas das pessoas que o vão ocupar agirão como se tivesse sido preparado exclusivamente para elas e lhe encontrarão imensos defeitos.
O Verão traz estagiários às empresas. Rapazes e raparigas que ainda estudam mas, pelo que tanto pode ser sentido de responsabilidade como inconsciência, aceitam trocar a praia e os festivais de música por umas semanas em ambiente de ar condicionado e luz artificial, fazendo por compor um currículo ainda praticamente em branco e tentando perceber como funciona uma empresa por dentro. Agosto não é o melhor mês para atingirem a segunda parte do objectivo mas suponho que, ainda assim, ficarão com uma ideia (que, na sua ingenuidade, talvez pensem errada) da mistura de incoerência e determinismo que faz com que as coisas aconteçam na maioria das empresas. O que me deixa entre o embaraço e a pena é o sorriso aberto do que me vem cumprimentar todas as manhãs. Há expectativa naquele sorriso. E – pasme-se – alegria. Fico na dúvida se ainda não percebeu quão triste a maioria dos empregos efectivamente é, pelo menos durante grande parte do tempo, se já o percebeu e sorri como sorriria numa visita aos chimpanzés do jardim zoológico, ciente de que só temporariamente se encontra dentro da jaula.
Estar a trabalhar durante o mês de Agosto é uma experiência estranha, especialmente de manhã. Às oito e um quarto a cidade tem uma paz irreal. Há menos pessoas que o costume caminhando pelos passeios e parecem fazê-lo em ritmo mais descontraído. Os carros são poucos mas, paradoxalmente, também parecem mover-se mais devagar. Há espaço e tempo, e consegue-se respirar. É uma cidade em modo pausa.
Tanto que por vezes surge-me a dúvida se não terá sido anunciada uma catástrofe iminente que levou quase toda a gente a fugir e apenas eu e mais uns quantos não o sabemos. E pergunto-me ainda se não o sabemos por distracção nossa ou por deliberação dos que fugiram. Se terão sido escolhidas as pessoas mais capazes e deixadas para trás as mais fracas. Mas depois, ao arrancar num semáforo em que o meu carro é o único da não-fila, vejo uma rapariga com roupas de Verão e fico mais sossegado porque ninguém a deixaria para trás se fosse importante salvar os mais aptos e propagar a espécie.
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