Saio do centro comercial Cidade do Porto pela porta rotativa que dá para o lado do mercado do Bom Sucesso. O meu cérebro não regista um grupo de adolescentes amontoados do lado direito, alguns sentados no muro, outros em pé. Quando começo a descer os degraus ouço uma voz feminina proclamar: «A Teresa devia dizer ao espelho todas as manhãs: ‘Que gaja gira!’ Não achas, Pedro?» Paro. Olho, tentando não dar nas vistas (apercebo-me de imediato que o risco de ser notado é reduzido: ninguém presta atenção às pessoas que passam). Tento atribuir identidades. Não é difícil. O trio que me interessa encontra-se ligeiramente à parte, mais próximo de mim do que os restantes. A rapariga que falou está sentada no muro. Como os outros, não parece ter mais de dezasseis ou dezassete anos. Tem cabelo castanho-escuro caído sobre a testa, veste calças de ganga rasgadas e pousa o braço direito numa pequena mochila pousada no muro ao seu lado. É atraente, num género ligeiramente anódino. Sorri. Um sorriso aberto, onde se nota apenas uma ligeira sugestão de malícia. Teresa deve ser uma ruiva que está em pé, quase de costas para mim. Vejo-lhe o cabelo encaracolado (será ruiva natural?) mas mal lhe descortino as feições. A postura e a forma como levanta as mãos num protesto mostram que não achou piada à afirmação da colega. Mas, do pouco que vejo, a outra tem razão. Teresa não é alta nem particularmente esbelta mas parece atraente (também é verdade que, talvez por serem tão raras por cá, tenho um fraquinho por ruivas). As calças de ganga que lhe moldam as ancas e as botas com cano alto por fora das calças dão-lhe um toque de sexualidade quiçá ligeiramente excessivo numa rapariga tão nova. Pedro também está em pé. Encontra-se quase de frente para mim mas a visão que tenho dele é parcial; o corpo da Teresa interpõe-se entre nós. É magro e tem borbulhas na cara. Parece ser ainda mais novo do que elas mas provavelmente tem a mesma idade. Sorri, surpreendido e hesitante, e talvez (é-me difícil garantir) core um tudo-nada. Acaba por dizer, erguendo as mãos enquanto encolhe ligeiramente os ombros e abana a cabeça em todas as direcções, num esforço excessivo para mostrar entusiasmo: «Claro.» E o seu olhar vagueia de Teresa (a quem não descortino uma reacção) para a rapariga que fez a pergunta. No rosto desta o sorriso é agora ligeiramente rígido. Mas alarga-se novamente quando diz para Teresa: «Estás a ver? Ele também acha.» Eu próprio reprimo um sorriso e recomeço a caminhar. Vou-me perguntando como funcionará aquele triângulo. Qual a motivação para a pergunta da rapariga sentada no muro? Por qual delas é que ele se sentirá realmente atraído? Estará Teresa realmente interessada nele ou apenas a ser usada pela amiga? Ou estarão ambas a brincar com o interesse dele? É provavelmente consequência da idade (da minha idade) mas, numa época em que a facilidade e a inconsequência das relações sexuais parecem ter tornado anacrónicas as velhas e hesitantes tácticas de sondagem e aproximação, é reconfortante constatar que alguns adolescentes ainda praticam pequenos jogos ingénuos.
O i de hoje informava-nos* que analistas do banco de investimento Morgan Stanley na Grã-Bretanha pediram a Matthew Robson, um estagiário de 15 anos, para elaborar um relatório sobre a relação dos adolescentes com os media e que, ao recebê-lo, ficaram tão impressionados que decidiram publicá-lo.
Ao acabar de ler a notícia, eu pensava em duas coisas. Primeiro, na proposta de Miguel Portas durante a campanha para as eleições europeias: está visto que, com jovens como estes, baixar a idade de voto para os dezasseis anos é um acto de sensatez e justiça. Depois, e mais importante, que esta história nos permite confirmar a noção de que gestores e analistas financeiros são absolutamente incapazes de ver a realidade a menos que esta lhes seja colocada à frente num relatório. E que depois adoram mostrar no-la para que possamos perceber as fantásticas descobertas de que são capazes.
* A notícia está online numa versão mais curta do que a que foi publicada em papel.
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