Os resultados das eleições nos Açores eram tão previsíveis como hoje nos parece a salivação dos cães de Pavlov. Não me merecem, por isso, grandes comentários. Prefiro centrar-me no que os comentadores nos dizem sobre eles.
Dizem muitos, em jeito de descoberta transcendental, que os resultados são um aviso ao governo de Passos Coelho e, considerando a proximidade das autárquicas, ao PSD. O meu coração enche-se de ternura ao ver tanta gente preocupada com os autarcas sociais-democratas. Mas vejamos: o que deveria o governo fazer para ajudar essa excelsa turba a conseguir manter os empregos (tão frágeis nos dias que correm)? Recuar no aumento de impostos? Recuar na dispensa de funcionários públicos? Recuar nos cortes das pensões e dos subsídios? Recuar nos cortes nas empresas públicas? Recuar nos cortes na Saúde? Recuar apenas em algumas dessas medidas mas agravar as restantes? Ou talvez iniciar um braço de ferro com a Troika e dizer-lhe que preferimos não receber o dinheiro, ver os juros da dívida voltar a disparar, as empresas nacionais sem esperança de financiamento, os bancos ainda mais estrangulados e, no limite, sair do euro? Honestamente, eu só gostava que as pessoas fossem claras. Por mim, estou-me nas tintas para os autarcas do PSD. Primeiro, não são substancialmente diferentes dos do PS. Depois – e cá temos um ponto em que o governo devia estar a receber avisos de que não tem feito o suficiente –, acho até que o número de autarcas devia ser muito menor.
Uma nota também sobre Carlos César. Ouvi e li opiniões segundo as quais ainda o veremos a desempenhar um papel importante na política de âmbito nacional. Acho muito provável. Apesar de Carlos César não passar de um Alberto João Jardim ligeiramente mais polido, a verdade é que continuamos a preferir a imagem associada aos políticos que “fazem obra”, distribuem benesses e contraem dívidas à daqueles obrigados a corrigir desequilíbrios. As eleições dos Açores – como as da Madeira há um ano – também mostram isso. Mas se os comentadores o notaram, poucos ou nenhum o referiram.
«Obrigado, senhor», disse-me a rapariga da caixa, despoletando imediatamente no meu cérebro a recordação de outros «senhores», ouvidos há cinco anos e meio, quando, com trinta e seis anos (não assim tão velho para que o tratamento fosse apenas reflexo da idade) estive nos Açores pela primeira vez. «Sim, senhor.» «Não, senhor.» «Tenha um bom dia, senhor.» É um daqueles pormenores que podem passar despercebidos ou ajudar a marcar uma viagem, pontuando-a de detalhes que fazem a diferença num país (e num mundo) cada vez mais uniformizado. Neste caso, é como recuar umas décadas no tempo. No continente, já não há «senhores». Só «senhores doutores» e «senhores engenheiros».
Ponta Delgada, 2005.
Ponta Delgada, 2010.
Entretanto ele devolveu-me ao hotel. Passaram três horas e faltam outras três para a hora do voo. Até agora, consegui manter-me razoavelmente seco. O vento e a chuva têm diminuído de intensidade. Com sorte, talvez consiga regressar.
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