A cerimónia dos Óscares já foi há quase três semanas mas gostava de voltar às quedas de Jennifer Lawrence (para distraídos: uma no ano passado, quando subia ao palco para receber o prémio, outra este ano, ao sair do carro no exterior do edifício). Claramente, a rapariga não sabe conjugar vestidos de noite com sapatos de salto alto mas isso só a torna (ainda) mais simpática aos meus olhos. Numa classificação tão aleatória como estas classificações tendem a ser, para mim há três tipos de actrizes em Hollywood: as que assumem a imagem de estrelas e planam ligeiramente acima de todos os restantes mortais, incluindo os colegas de profissão (Charlize Theron e Angelina Jolie são os exemplos possíveis, nesta época tão afastada do star system de há seis ou sete décadas); as que se definem pelo trabalho e, até mesmo quando enfiadas em vestidos de gala, permanecem ligadas à Terra (Julia Roberts, Meryl Streep, Amy Adams, Jessica Chastain); as que gostariam de atingir uma das duas primeiras categorias mas enfrentam dificuldades em escapar de um nível onde são encaradas com alguma condescendência (Jennifer Anniston, Reese Witherspoon - não obstante Walk the Line -, Jessica Biel, Kristen Stewart). Jennifer Lawrence, claro, é um caso típico do segundo grupo, apesar de muita gente andar a tentar metê-la no primeiro (demasiado nova; dêem-lhe pelo menos dez ou quinze anos para perder espontaneidade e aprender a equilibrar-se nos saltos altos). As suas quedas funcionam como aqueles detalhes que os grandes actores acrescentam aos papéis. Algo que, parecendo acessório, acaba por fazer a diferença na forma como os recordamos. Em parte devido às quedas, Lawrence já é das pessoas mais memoráveis da cerimónia.
** Actriz de ascendência alemã premiada em 1936 e 1937.
A cerimónia de entrega dos Óscares de 2012 é esta noite. Ainda não vi qualquer dos nomeados para melhor filme. No ano passado, o Óscar foi para O Discurso do Rei – um filme simpático, que podia perfeitamente ser uma mini-série da BBC (só em parte isto pretende ser um insulto). Entre os grandes derrotados estiveram A Origem, um bom filme (ou não tivesse sido realizado por Christopher Nolan), com todos os efeitos especiais necessários para maravilhar o público actual de cinema, A Rede Social, outro bom filme (ou não tivesse sido realizado por David Fincher – mas porquê refazer a trilogia Millennium, David?), sobre a ânsia, tão intensa nos dias que correm, de constituir o centro das atenções sem o esforço de produzir algo que o justifique, e Indomável, mais um bom filme (ou não tivesse sido realizado pelos manos Coen), sobre uma rapariga em busca de justiça num mundo violento – e masculino. Na minha opinião, qualquer dos três era mais merecedor do Óscar do que O Discurso do Rei – mas talvez não tanto como o nomeado que vi apenas ontem, em DVD.
A estrutura do filme dificilmente podia ser mais perfeita. Começa por mostrar-nos o ambiente em que Ree se insere, apresenta-nos o problema, faz-nos acompanhar Ree nos contactos com pessoas que parecem todas estranhamente hostis (até as que se presumiria estarem do lado dela, como os familiares mais próximos, parecem opor-se-lhe) e, lentamente, vai-nos deixando perceber o que realmente se passa, as razões para tanta hostilidade e por que se encontra afinal a tarefa de Ree praticamente votada ao fracasso. De um modo ou de outro, quase todas os personagens em Despojos de Inverno são violentas (os irmãos e a mãe de Ree constituem as excepções mais óbvias, eles por ainda não entenderem o que se passa – são as únicas personagens capazes de brincar –, ela por ter desistido de entender) mas a violência parece manifestar-se de modo diferente nos homens e nas mulheres. Eles são duros, agressivos, inacessíveis, preocupados com não mostrar fragilidades. Elas são tão ou mais duras mas a sua dureza – e violência – é uma espécie de resistência, de subjugação raivosa aos desígnios masculinos, nascida da necessidade de terem sido forçadas a adaptar-se ao mundo em que estão inseridas: à maneira de ser dos homens e aos seus problemas frequentes com a lei, aos casamentos precoces e aos filhos que deles resultam, à falta de dinheiro e de perspectivas. Se a sombra dos homens e da sua inflexibilidade é permanente ao longo do filme, são as mulheres quem mais tempo passa no ecrã e quem – desconfia o espectador – acaba por ter mais influência no modo como tudo acaba. Despojos de Inverno é um filme com uma fortíssima componente feminina e não será coincidência ter sido realizado por uma mulher, Debra Granik.
Gostaria de realçar dois últimos pontos, provavelmente também relacionados com esse eventual carácter feminino. O primeiro é que, tratando-se de um filme violento (muito violento), quase não mostra violência física. Antecipa-a, mostra-lhe os efeitos – mas não se detém sobre ela. Num tempo em que os filmes fazem questão de mostrar muito mais do que sugerir, é sempre agradável constatar como a sugestão consegue ser eficaz. Finalmente, encontrando-nos submersos por filmes em que os heróis se riem do perigo e avançam com uma frase cáustica para as mais inverosímeis lutas, é também bom relembrar que são afinal os heróis relutantes, os heróis que fazem o que tem de ser feito porque não há mais ninguém para o fazer, quem mais empatia consegue gerar num ecrã de cinema. Esta constitui, aliás, uma diferença importante entre Indomável e Despojos de Inverno: Mattie Ross é uma rapariga voluntariosa em busca de uma vingança de que pode prescindir, Ree Dolly uma rapariga encurralada que só pode escolher entre dois males – enfrentar quem nunca poderá vencer ou perder casa e família. O verdadeiro heroísmo é não desistir.
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