como sobreviver submerso.
Quarta-feira, 13 de Abril de 2011
Carta aberta a Roger Federer

 

Caro Roger,

 

Sei que és um tipo inteligente, capaz de pensar pela própria cabeça. Sei que estás farto de receber conselhos de fãs, todos super hiper mega convencidos de terem a solução que te permitirá voltar a dominar o circuito mundial de ténis. Sei que provavelmente tudo o que vou escrever já te foi dito por várias pessoas ao longo dos anos, talvez até por alguns dos teus treinadores (e daí pode ser que não, porque as pessoas que estão próximas de nós e têm interesses em jogo nem sempre nos dizem toda a verdade). Seja como for, não resisto, até por saber que não falas português e que raramente alguém acede a este blogue a partir de um computador na Suiça.

 

Comecemos por um facto que podes achar desagradável mas que para muita gente, eu incluído, não o seria assim tanto: tens quase trinta anos. Fisicamente, pareces bem: continuas ágil, veloz, resistente. Mas tens quase trinta anos, mais meia dúzia do que o Rafa ou do que o Nole. É por isso natural que estejas a chegar às bolas difíceis umas centésimas de segundo mais tarde do que era costume. Muitas vezes, tu nem te apercebes. Nós, no court e na televisão, também não. Mas se calhar estás mesmo. E repara que, enquanto há quatro ou cinco anos te encontravas no pico da forma, o Rafa e o Nole ainda estavam a melhorar. O Juan Martin, então, devia andar de calções a brincar nas ruas de Tandil, na Argentina. Eles tornaram-se fisicamente mais fortes; tu, quando muito, mantiveste a forma. Quando te vejo dar madeiradas, disparar a bola contra o topo da rede ou fazê-la cair uns centímetros do lado errado das linhas, não consigo deixar de pensar que as tuas intenções continuam boas mas o teu corpo está um tudo-nada atrasado.

 

Sejamos honestos: há pouco que possas fazer quanto a isto. Nem todo o teu dinheiro te vai permitir rejuvenescer. Mas há pelo menos uma coisa que podias tentar: Roger, pá, muda de raquete. Eu sei que gostas da tua Wilson Six.One Tour – é a tua imagem de marca, um modelo clássico, com a sua frame estreita e angulosa e a sua cabeça de noventa polegadas quadradas, que evoca campeões de outras eras e que é, sem dúvida, uma excelente raquete. Mas o Rafa usa uma raquete de cem polegadas quadradas. O Nole usa uma raquete de noventa e cinco polegadas quadradas. O Juan Martin usa uma raquete de noventa e seis polegadas quadradas. Toda a gente usa raquetes maiores do que a tua. Eu sei, eu sei, não é do tamanho, é da forma como se usa. Tu dizes que estás habituado. Que tens mais controlo assim. Talvez seja verdade mas isso de pouco te vale se chegas atrasado (bastam fracções de segundo, Roger) e não consegues acertar na bola com o centro da encordoação. Antes de qualquer outro factor, o controlo parte desta premissa básica, Roger: é preciso acertar bem na bola. Repara como o número dos teus erros parece ter vindo a aumentar nos últimos anos (não, não tenho estatísticas mas podes sempre colocar alguém munido de esferográfica e bloco-notas a rever gravações de encontros durante uns dias e logo tiras as dúvidas). Falhas por pouco, por muito pouco – mas falhas. Uma raquete maior – uma Wilson Six.One 95, não precisas de mudar de marca, como é óbvio – talvez te permitisse manter mais bolas em jogo. Fazer mais winners. Ganhar confiança.

 

E isto traz-nos ao assunto mais delicado. Confiança. Tu dizes que não tens problemas psicológicos em enfrentar o Rafa. Está bem, Roger. Mas deixa-me contar-te o que vi há menos de duas semanas, na meia-final do torneio de Miami. Entraste cheio de garra e ele também. As primeiras trocas de bola deixaram-me a sorrir. Vamos ter fogo-de-artifício, pensei. Mas depois falhaste um par de vezes e a partir daí ele fez o que quis de ti. Tu sabias o que tinhas de fazer, tentaste fazê-lo – mas nada te saiu bem. Roger: quando defrontas o Rafa, ou as coisas te saem bem desde o início ou és assaltado por dúvidas. É verdade que com outros adversários também gostas de entrar a fundo, deixando imediatamente clara a tua superioridade. Mas com os outros, mesmo quando as coisas começam por te correr mal, consegues quase sempre dar a volta à situação. Com o Rafa, não. Porque, lá no fundo, sentes que não és melhor do que ele (mas és, Roger). E então perdes a concentração. Entras em parafuso. (É uma expressão portuguesa; pergunta aí a um dos teus empregados domésticos o que significa*). E ele sabe-o. Massacra-te a esquerda com aquele top spin absurdo, empurra-te para trás e faz-te falhar porque a certa altura tu percebes que tens de atacar ou perdes o ponto mas não estás em posição de disparar um winner, ainda por cima quando do outro lado está um filho da mãe tão rápido quanto o Nadal. Eu não sou psicólogo, Roger, e até desconfio deles, pelo que não me vou pôr a dar-te conselhos sobre o que deves ou não fazer para ultrapassares este problemita (na minha simplicidade, eu tiraria para aí três meses de férias num paraíso qualquer). Mas talvez também aqui uma raquete com uma cabeça maior pudesse ajudar. Permitir-te-ia reduzir as chances de, quando forçado a atacar em posição difícil, dares uma madeirada ou colocares a bola do lado errado das linhas apenas o suficiente para me fazeres entrar em parafuso a mim.

   

E é só isto, Roger. Por favor, acredita nas minhas intenções. Acredita no que te diz alguém que quer continuar a ver-te nos courts e a ganhar torneios ainda durante vários anos e que, embora possas pensar o contrário, sabe do que fala. É verdade que nunca joguei muito e que já não jogo há anos. Mas com uma raquete de 85, 90, 95, 100 ou 110 polegadas quadradas, Roger, poucas pessoas eram tão boas a dar madeiradas como eu.

 

Um abraço do teu fã,

jaa

 

P.S.: Tirei a foto lá de cima no Estoril Open de 2008, Roger. Eu era o tipo com o boné verde três lugares ao lado da exuberante senhora suiça.

 

 


* Ah, espera, esta semana estás em Monte Carlo, não é? Pergunta ao teu valet de chambre no hotel. Se ele não souber, há-de arranjar alguém que lhe explique.



publicado por José António Abreu às 13:03
link do post | comentar | favorito

3 comentários:
De NoName a 13 de Abril de 2011 às 14:23
JAA tens sempre estas hipoteses para lhe fazeres chegar a mensagem:

http://www.rogerfederer.com/en.html
http://www.facebook.com/Federer

Image


De José António Abreu a 13 de Abril de 2011 às 17:50
Não tenho tempo para traduzir o texto. Se alguém se oferecer para o fazer... ele fala inglês, francês e alemão.

O cachecol com as cores da Suiça é em apoio ao Federer, não é?


De NoName a 13 de Abril de 2011 às 22:12
..cores da Suiça? Imagepois... encarnado e branco, encarnado e branco...Sim! é em apoio ao Federer claro!
Image






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