como sobreviver submerso.
No futebol é mais fácil. É, aliás, fácil demais. O frenesi mediático e a histeria dos adeptos garante a muitos futebolistas a condição de heróis muito antes de terem conseguido algo de verdadeiramente excepcional. Noutros desportos, com escrutínio menos público mas mais exigente, as coisas são diferentes. É também mais difícil para um desportista que não jogue futebol transcender o universo dos que apreciam o desporto que pratica e tornar-se um ícone global. Roger Federer conseguiu-o há anos. Mas, para muitos apreciadores de ténis, faltava-lhe vencer Roland Garros. Já não falta.
A forma como Federer jogou nesta quinzena foi fantástica, mesmo – ou especialmente – quando não jogou bem. Em nenhum momento isso terá sido tão evidente como na sexta-feira, na meia-final contra Juan Martin Del Potro. Del Potro (um futuro campeão) foi mais forte durante cerca de três sets. Ganhou o primeiro e o terceiro, perdeu o segundo no tie break. Ao longo destes três sets Federer pareceu quase subjugado, falhando muito e, mesmo quando não falhava, com um jogo inócuo para o argentino. Mas foi fazendo algo que se revelou crucial: obrigou Del Potro a correr. Fê-lo correr de um lado para o outro e, acima de tudo, fê-lo correr para a frente e para trás, com bolas longas, bolas curtas e drop shots. No quarto set Del Potro começou a ceder. Começou a ser mais lento, a colocar menos primeiros serviços, a falhar mais. E Federer venceu. Hoje, na final, não deu hipóteses a Robin Soderling, que actuara em estado de graça frente a Nadal, Ferrer ou Gonzalez. Tremeu um pouco no final do encontro mas dominou sempre. Em grande medida, isso sucedeu porque o estilo de jogo de Soderling “encaixa” melhor no seu que o de outros jogadores. E também porque os factores psicológicos que intervêm quando defronta Nadal – mesmo que Federer os negue – não tinham razão de ser. Mas não foi apenas isso. Numa prova de inteligência, Federer ajustou alguns pormenores do seu jogo. Passou a usar mais o drop shot (já o fizera há três semanas em Madrid, onde venceu Nadal na final). Procurou os seus próprios pontos fortes e não se deixar cair no estilo de jogo do adversário (ele que chegou a ser conhecido por gostar de derrotar os adversários jogando no estilo deles). E, acima de tudo, nos momentos em que as coisas não lhe corriam bem, foi inteligente – e suficientemente humilde – para aguentar estoicamente, cansar o adversário e desferir o ataque no momento certo (fê-lo contra Del Potro mas, dias antes, havia-o feito contra Tommy Haas). Todos os grandes desportistas têm que possuir boas capacidades técnicas. As lendas vão um pouco mais longe porque sabem que por vezes é aí que conseguem a diferença, em especial quando já não estão no máximo da forma física.
Teria sido interessante vê-lo defrontar Nadal. Creio que poderia ter ganho. Mas, nunca fiando (os tais factores psicológicos...), foi melhor assim. Porque esta vitória é uma coroação merecida e é também fundamental para garantir grandes espectáculos nos próximos tempos.
(Como de costume, a foto é do Estoril Open do ano passado.)