como sobreviver submerso.
Domingo, 31 de Janeiro de 2010
Perfeição
Tive um professor de matemática que desenhava no quadro circunferências perfeitas sem auxílio do compasso. É bom que um professor consiga fazer algo de que os alunos são incapazes. Obriga-os, mesmo contrariados, a admirá-lo um pouco (saber mais do que eles não tem o mesmo efeito). Quanto às circunferências, sei que eram perfeitas porque um dia duvidei que o fossem em voz alta (creio já ter admitido dificuldades em deixar de dizer o que penso). Ele pegou no giz e, num movimento fulminante, desenhou uma no quadro. A seguir obrigou-me a ir buscar o compasso e a verificar, perante uma turma de miúdos expectantes e desejosos de poder gozar alguém (mas preferindo que esse alguém fosse eu, porque o poderiam fazer imediata e abertamente), a perfeição do seu trabalho. O giz na ponta do compasso limitou-se a seguir cobardemente o traço branco que já se encontrava no quadro. A filha da mãe da circunferência era mesmo perfeita. Os meus colegas riram-se (o professor também), mandaram bocas (o professor não, mas mostrou grande complacência para com a algazarra instalada) e gozaram comigo durante todo o resto do dia.
Usei várias vezes «perfeita» e «perfeição» ao longo do texto porque ainda é naquela circunferência – e em Aston Martins e em algumas mulheres – que penso quando imagino a perfeição. E mantenho até hoje sentimentos contraditórios em relação a pessoas que fazem coisas difíceis sem esforço aparente: admiro-as por o conseguirem mas apetece-me dar-lhes um pontapé no traseiro e ordenar-lhes que se limitem a ser humanas.
(A foto é do Estoril Open de 2008.)
De David Marques a 2 de Fevereiro de 2010 às 01:47
Fantástica metáfora. Parabéns pelo texto!
"Coisas difíceis sem esforço aparente". É exactamente isso que se passa com este senhor.
Obrigado. A facilidade e fluidez com que Federer joga são quase inacreditáveis. Já agora aproveito para acrescentar que tenho a mesma sensação (de maravilhamento, incredulidade e muito ligeira exasperação) perante todos os que fazem coisas especialmente bem sem que o esforço se note, mesmo noutros campos que não o desporto. A fantástica sensação que é acabar um livro subjugado pela prosa do autor...
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