como sobreviver submerso.
Tinha onze anos quando uma professora avisou o meu pai de que eu ia ter problemas na vida. «O rapaz até é inteligente», explicou-lhe, «mas tem o hábito de dizer o que pensa.» Na face do meu pai o sorriso de deferência ficou congelado num esgar. Não me lembro da resposta que deu mas terá sido algo no género de «tem razão, este miúdo... não sei a quem saiu» (conversas complicadas, ainda por cima com estranhos do sexo feminino, sempre o assustaram), e depois fugiu tão depressa quanto pôde, arrastando-me com ele. Em casa, contou o que se passara à minha mãe e ficaram os dois a olhar para mim durante um instante, como que avaliando o que poderiam fazer para me extraírem aquele terrível hábito. Pôr-me de castigo? Ter uma «conversa» comigo, apesar de estarmos ainda numa época em que não se falava dos pais terem conversas com os filhos? Ir à farmácia tentar arranjar comprimidos que combatessem a doença? E, se eu tinha aquele problema, seria culpa deles? Teriam feito alguma coisa mal? Acabaram por me pedir para não ser «assim», para não dizer tudo o que me viesse à cabeça. Mas o miúdo de onze anos que eu era ainda não percebia os benefícios de silenciar opiniões ou discordâncias e eles tiveram de ir repetindo o pedido ao longo dos anos seguintes, a esperança de que eu acabaria por ouvi-los a abandoná-los progressivamente e a preocupação com as possíveis consequências do insucesso dos seus esforços sempre a aumentar. Porque, apesar de Salazar estar morto há mais tempo do que eu estava vivo, do 25 de Abril ter ocorrido há vários anos, e de Portugal caminhar para uma adesão à «Europa», os meus pais sabiam que continuavam a existir boas razões para o aviso da professora e só queriam o melhor para o filho. E eu, agora que já passei a idade que o meu pai tinha quando a professora o avisou e tenho sensivelmente a idade que ela tinha, também já estou convencido. Mas continuo à procura dos comprimidos certos para corrigir o problema.
Deixe lá os comprimidos, JAA. Tudo,tudo cá p'ra fora :)
É o que quase sempre faço, Cristina. Mas às vezes era mais inteligente não o fazer. Há por aí muitas pessoas que não apreciam discordâncias...
De
Margarida a 17 de Janeiro de 2010 às 01:10
A sabedoria entre ser herói e mártir...
You're sooooooo cute!
De maria Videira a 17 de Janeiro de 2010 às 21:40
Não será só o que se diz, MAS.... COMO SE DIZ!
Pode ser tão mau Falar como Calar.
O importante é ficarmos de bem connosco .
Até amanhã JAA
Ah, Maria, não me faça entrar nesse campo. Admito que a forma é importante mas nunca deveria ser tão importante quanto o conteúdo. Alguém escreveu há uns tempos - o Miguel Esteves Cardoso? - que detestava expressões como "ele até tem razão no que diz mas perde-a toda pela forma como o diz". A razão não está dependente da forma. É claro que temos tendência a aceitar melhor uma opinião diferente da nossa que seja dada de forma cordata. E Não estou a defender o contrário. Mas existe uma certa tendência para avaliar mais a forma como se diz do que o que realmente se diz (por exemplo, é o que muita gente faz com Medina Carreira). E isso é algo que me incomoda bastante. Até porque, por entre os nossos tradicionais salamaleques e o 'respeitinho' que quem tem poder espera dos que têm menos, a verdadeira opinião fica habitualmente por dizer.
E, sim, pode ser tão mau falar como calar. Mas - e é apenas a minha opinião - quase sempre "infelizmente".
xx
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