como sobreviver submerso.
Agora que a década já acabou há dezasseis horas e quarenta e sete minutos (bem, obrigado) começa a ser possível analisá-la com algum distanciamento crítico. Não tendo sido uma década brilhante, podia ter corrido pior. Afinal, tanto eu como quem me lê (com a possível excepção do pessoal do
É Tudo Gente Morta) ainda estamos vivos. Em Portugal, foi marcada por uma crise económica (internacionalmente aconteceram duas mas nós, viciados em crises como somos, conseguimos uni-las) e por uma praga. Da crise não vale a pena falar. A praga chamou-se (e chama-se) Partido Socialista: prosseguindo o trabalho preparatório encetado na década anterior, teve no início desta um papel fundamental na origem da crise e empenha-se afincadamente ainda hoje no seu agravamento. Se fosse de atribuir prémios, dar-lhe-ia o prémio «coerência».
O acontecimento da década foram, evidentemente, os ataques de 11 de Setembro de 2001, por terem causado milhares de mortos e duas guerras mas, mais importante, por terem criado o vilão com tendências aparentemente apocalípticas que as pessoas mais adoraram detestar desde que Peter Sellers fez de Dr. Estranhoamor. (Mas o sidekick, aquele que disparava em companheiros de caçada, assustava mesmo). Felizmente, o final da década trouxe de novo esperança à humanidade com o surgimento de um super-herói que, ao contrário do Batman, do Surfista Prateado, do Darkman, que são personagens negras, torturadas, quase psicóticas, é apenas negro.
Quanto àquelas coisas de «álbuns da década», «livros da década», «filmes da década» e «etceras da década» tenho que confessar que ainda não pensei nisso a sério. Sim, o álbum da década é provavelmente
Funeral, dos Arcade Fire (mas os que mais vezes ouvi foram
Regeneration, dos The Divine Comedy, logo em 2001, e o par
Wide Awake, It’s Morning / Digital Ash in a Digital Urn, de Bright Eyes, em 2005), o livro da década é
A Estrada, de Cormac McCarthy, o filme da década… nah, ainda não vou arriscar, até porque o meu cérebro, filho da mãe irritante que se julga mais esperto do que eu, me está a martelar incessantemente aos ouvidos (não faço ideia de como o consegue, ainda por cima quando lá tenho enfiados um auscultadores debitando Animal Collective) «Chris Nolan, Wes Anderson, Chris Nolan, Wes Anderson…» e não me apetece parar para analisar tudo o que isso implica. Mas não me importo de escolher o videojogo da década (
Ico, para a Playstation 2), o desportista da década (
Roger Federer, quem mais?*) e o pastel de nata da década (o que comi no dia 24 de Setembro de 2002, em jejum, facto que admito poder ter tido influência na impressão que me deixou).
* Eu sei que também há um senhor chamado Tiger Woods mas continuo relutante em chamar desporto a uma actividade em que não se transpira pelo menos um bocadinho.