como sobreviver submerso.
Sábado, 2 de Maio de 2009
J. G. Ballard e os inexplicáveis actos de violência.
No dia 27 de Abril, o jornalista Paulo Moura colocou no seu blog uma entrevista que fez em 2004 ao escritor J. G. Ballard, falecido há cerca de duas semanas. É uma conversa notável. Ballard, como se sabe, era tudo menos optimista. Mas as manifestações de violência dos últimos anos na Europa (de Paris à Grécia) ou, em menor escala mas talvez dentro da mesma lógica, os acontecimentos dos últimos dias (o ataque à família real holandesa, os tumultos em vários pontos do planeta no primeiro de Maio, as tentativas de agressão a Vital Moreira), ajudam a justificar a sua visão. A sociedade que criámos e continuamos a criar é cada vez mais controlada. Os instintos estão cada vez mais pressionados por compromissos assumidos e por regras politicamente correctas: seja educado, respeite as minorias, não fuja aos impostos, pague as prestações da casa e do automóvel, cumpra as regras de trânsito, não fume, não beba quando conduz, não seja gordo, não leve o carro para o trabalho, não mostre desagrado no emprego, festeje e consuma em todas as datas em que é suposto fazê-lo, não cuspa para o chão, sinta-se bem sendo constantemente alvo de vigilância, etc., etc, etc. Já repararam como temos tendência para resmungar contra quem não cumpre uma regra (alguém que nos passa à frente num consultório médico ou numa fila, ou que não pára no semáforo quando este está prestes a mudar para vermelho), mas estamos com frequência disponíveis para fazê-lo também? A verdade é que entendemos a lógica das regras mas desejamos que não se nos apliquem. Em certas circunstâncias, não aguentamos mais. E nessa altura surgem os actos "inexplicáveis" a que Ballard se refere na entrevista:

 

P. As pessoas matam por enfado?

R. Estão desesperadas. É como um grito de socorro. Numa sociedade totalmente saudável, a loucura é a única liberdade possível. À medida que as sociedades ocidentais se tornam mais prósperas, mais civilizadas, mais governadas por leis razoáveis, deixamos de poder tomar decisões morais.
 

Há uns anos, num texto ficcional que já passou por muitas editoras mas, provavelmente por sensatez, nunca ninguém quis publicar, escrevi o seguinte:

 

Se conseguia entender muitas das razões que levavam alguém ao suicídio, melhor ainda entendia as que levavam alguém a pegar numa arma de fogo e começar a disparar indiscriminadamente. A estupidez global era justificação mais do que suficiente. E a utilização da última bala nos próprios miolos (gesto tão habitual nos que cometem esses actos “inexplicáveis”) revelava a lucidez: não podem ser desculpados os anos em que se serviu a estupidez, em que não se conseguiu lutar contra ela, em que se desejou ficar tão estúpido, adormecido, integrado, como todos os outros.

 

Quando vejo as pessoas abanarem a cabeça de incredulidade perante actos como o da Holanda, pergunto-me se o fazem com genuína estupefacção ou, mesmo que a nível subconsciente, por auto-defesa. Creio que Ballard se inclinaria para a segunda hipótese.



publicado por José António Abreu às 09:20
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