como sobreviver submerso.
Terça-feira, 3 de Novembro de 2009
O carreiro
Sou leitor regular (não diário mas quase) do jornal Público. Há um par de anos, quando o excelso, impoluto e visionário licenciado em engenharia que nos lidera começou a atacá-lo (verbalmente e excluindo-o das campanhas publicitárias de organismos estatais), passei a comprá-lo ainda mais amiúde: quando o poder é arrogante, mais necessárias se tornam as vozes dos que não se deixaram comprar ou ofuscar. Nos últimos meses, o Público terá cometido erros. Ter-se-á deixado usar pelos interesses (e pela falta de jeito para intrigas) do PSD e do Presidente da República. É possível que sim. Mas prefiro, de longe, um jornal que comete erros mas investiga e noticia os inúmeros casos dúbios (e «dúbio» é um eufemismo tão grande que até tenho vergonha do o escrever) da política portuguesa do que outro, que finge ser sério e isento quando mais não é do que uma versão circunspecta do Acção Socialista.
 
A saída de José Manuel Fernandes era inevitável. Nada em Portugal subsiste sem o beneplácito do Estado. Trata-se quase de um milagre – agradeça-se ao feitio «antes quebrar que torcer» da família Azevedo – que o Público tenha aguentado durante tanto tempo. Como no caso da TVI, isso acabou. No primeiro editorial da nova direcção perpassa algum nojo pelo passado recente. Anuncia-se uma nova etapa. Menciona-se o fundador Vicente Jorge Silva (ainda por cima para referir as críticas que ele – um ex-deputado socialista – fez recentemente ao jornal) mas evitam-se referências a José Manuel Fernandes. Não surpreende: afastamo-nos tão rapidamente quanto podemos dos que caíram em desgraça. No mundo animal, o instinto de sobrevivência tende a prevalecer sobre todos os outros. Discordei muitas vezes de José Manuel Fernandes. Considero que cometeu erros grosseiros. Mas escrevia o que pensava. Hoje, não sei (ainda?) o que é o Público. O pormenor dos editoriais passarem a não ser assinados é menor mas significativo. Escrevia alguém algures que na maioria dos países não é habitual os editoriais serem assinados. Outra pessoa ironizava com a coincidência de muitos dos que se insurgem contra o facto lerem a The Economist, onde também não são. A verdade é que a The Economist tem uma linha editorial clara. Toma posição em todas as questões importantes. Como é de resto tradição no mundo anglo-saxónico. (Mas não só: alguém tem dúvidas quanto ao alinhamento do El País ou do El Mundo?) Em Portugal, nação de pessoas cinzentas, comprometidas e cobardes, nenhum meio de comunicação se atreve a fazê-lo (excepto – quão ridículo se pode ser? – quando a política em debate é a norte-americana). A «neutralidade» (um conceito absurdo e maligno) é um mantra na comunicação social, o «respeitinho» a regra que ninguém se atreve a questionar. Com a previsível entrada do Público no carreiro dos órgãos de comunicação bem-comportados (outro eufemismo), este «ninguém» está cada vez mais pequeno.


publicado por José António Abreu às 20:16
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4 comentários:
De Cristina Ribeiro a 3 de Novembro de 2009 às 23:04
O termo que o JAA utilizou - neutralidade - trouxe-me logo ao espírito o livro que José Manuel Fernandes escreveu aquando do 11 de Setembro: « Ninguémm é Neutro » ; pelos vistos, isso paga-se.


De José António Abreu a 4 de Novembro de 2009 às 15:45
Em Portugal paga-se muito caro, Cristina. Mas, na realidade, a especialidade local nem é a neutralidade: é propalar a neutralidade e estar sempre do lado do poder, em especial quando ele é socialista (convenhamos que os governos PSD ou PSD/CDS não obtêm o mesmo nível de subserviência por parte dos meios de comunicação).


De cutelo a 4 de Novembro de 2009 às 19:29
Post interessante e lúcido neste país onde a comunicação dita social é um pântano. Subscrevo. Parabéns.


De SF a 6 de Novembro de 2009 às 22:03
Completamente de acordo.


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